Uma bolinha minúscula do
meu sorvete preferido.
(Danuza
Leão)
Uma
só.
Quanto mais sofisticado
o restaurante, menor a porção da sobremesa.
Aí a vontade que dá é
de passar numa loja de conveniência, comprar um litro de sorvete bem cremoso e
saborear em casa com direito a repetir quantas vezes a gente quiser, sem pensar
em calorias, boas maneiras ou moderação.
O sorvete é só um
exemplo do que tem sido nosso cotidiano.
A vida anda cheia de
meias porções, de prazeres meia-boca, de aventuras pela
metade.
A gente sai pra jantar,
mas come pouco.
Vai à festa de
casamento, mas resiste aos bombons.
Conquista a chamada
liberdade sexual, mas tem que fingir que é difícil (a imensa maioria das
mulheres continua com pavor de ser rotulada de
'fácil').
Adora tomar um banho
demorado, mas se contém pra não desperdiçar os recursos do
planeta.
Quer beijar aquele cara
20 anos mais novo, mas tem medo de fazer papel
ridículo.
Tem vontade de ficar em
casa vendo um DVD, esparramada no sofá, mas se obriga a ir
malhar.
E por aí
vai.
Tantos deveres, tanta
preocupação em 'acertar', tanto empenho em passar na vida sem pegar
recuperação...
Aí a vida vai ficando
sem tempero, politicamente correta e existencialmente sem-graça, enquanto a
gente vai ficando melancolicamente sem
tesão...
Às vezes dá vontade de
fazer tudo 'errado'.
Deixar de lado a régua,
o compasso, a bússola, a balança e os 10
mandamentos.
Ser ridícula,
inadequada, incoerente e não estar nem aí pro que dizem e o que pensam a nosso
respeito.
Recusar prazeres
incompletos e meias porções.
Até Santo Agostinho,
que foi santo, uma vez se rebelou e disse uma frase mais ou menos
assim:
'Deus, dai-me
continência e castidade, mas não agora'...
Nós, que não aspiramos
à santidade e estamos aqui de passagem, podemos (devemos?) desejar várias bolas
de sorvete, bombons de muitos sabores, vários beijos bem dados, a água batendo
sem pressa no corpo, o coração saciado.
Um dia a gente cria
juízo.
Um
dia.
Não tem que ser
agora.
Por isso, garçom, por
favor, me traga: cinco bolas de sorvete de chocolate, um sofá pra eu ver 10
episódios do 'Law and Order', uma caixa de trufas bem macias e o Richard Gere,
nu, embrulhado pra presente. OK?
Não necessariamente
nessa ordem.
Depois a gente vê como
é que faz pra consertar o estrago...
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