" Para Pierre Fluchaire, que escreveu vários livros sobre a arte de dormir, inclusive esse que caiu nas minhas mãos, chamado Dormir bem, para viver melhor, o medo é a causa no. 1 das insônias. E não é só medo de bandido, medo da violência, medo das dívidas, medo do amanhã, medo do fracasso, medo da língua do vizinho que nos tira o sono, embora esses sejam medos que atrapalhem bastante nossas noites. É o medo do próprio sono que nos incomoda.
Nossos ancestrais morriam de medo da noite, de seus barulhos estranhos, ameaçadores. Dos perigos e das feras que rondavam as frágeis habitações humanas. O fogo e – milagre dos milagres – a luz elétrica exorcizaram esses temores, mas ficou lá no fundo um restinho de sombra, é ou não é?
Além disso, o próprio sono é um universo desconhecido que os franceses chamam “la petite morte” ou a “pequena morte”. Com seu espantoso repertório de imagens oníricas infinitamente renovadas, o sono desafia os estudiosos e nos enche de assombro e.. de medo. Dormir é ousar dar esse mergulho profundo, é adentrar nos domínios do reino do inconsciente. Dormir é o contrário do medo, é o relaxamento total. É a petite morte, lembram-se? A ausência completa de controle. Não dá para relaxar e ter medo ao mesmo tempo, então, o que fazer?
Fluchaire conta que na Idade Média pagava-se um homem para andar à noite pelas ruelas das aldeias e das cidades gritando “durmam pessoas honestas, tudo está bem”. E a gente de bem, tranqüilizada, deixava-se dormir profundamente.
Curiosamente, o medo de dormir durante séculos foi alimentado por histórias aterrorizantes contadas ao pé do fogo ou do fogão e guardadas até hoje na memória das letras das canções de ninar, imagine! Quer coisa mais assustadora que a letra de um dos clássicos brasileiros para fazer bebês dormirem, o famoso (e, cá entre nós, bem simpático): “boi, boi, boi, boi da cara preta, pega esse menino que tem medo de careta”?
O simples fato de, de repente, ficarmos sozinhos e no escuro, parece que só aumenta nossos problemas e amplifica nossas fantasias. Mas alguns medos que o dormir provoca a gente nem imagina: medo do silêncio (esse eu tenho), cujo antídoto (infalível!) é um repertório de barulhinhos familiares ou o medo de perder a noção de tempo e de espaço, que cria rituais do tipo aninhar-se para dormir ou só conseguir conciliar o sono em posições parecidas com as que nos acolhiam nos úteros de nossas mães. Ou medos ainda mais inconscientes, como o de perder o “eu” e sua contrapartida, para muitos mais aflitiva: o medo de se encontrar face a face com seu verdadeiro eu.
O pesquisador francês chega a mencionar um medo esquisitíssimo que viria de nosso parentesco com os répteis e que nos faria temer tirar os pés do contato com a terra!
Enfim, nosso grande problema como espécie é que, no momento em que deveríamos estar nos encaminhando calma e tranqüilamente para essa viagem diária rumo ao nosso excitante e extraordinário mundo interior, na verdade, nossa alma se debate em aflições sem fim. Algumas, a gente herda lá dos antepassados; outras, a gente nem desconfia que têm, mas estão lá e outras ainda são nossas velhas conhecidas mesmo. E com isso o sono passa a quilômetros de distância da nossa cama. Tudo errado. Temos é que reaprender a dormir.
O próprio Fluchaire dá algumas dicas para a gente recuperar o prazer de uma boa noite de sono e as melhores são incrivelmente simples:
1. Páre de se preocupar em conseguir um sono ideal. Isso não existe. A melhor noite de sono é aquela que faz você descansado e tranqüilo. E o único jeito de descobrir isso é se observar, se conhecer. Tem gente que se satisfaz com 4 horas de sono. Outras precisam de mais. Do que você precisa? “O maior sábio, dizia Krishnamurti é aquele que se conhece a si mesmo”.
2. Respeite uma regra simples sempre que possível: durma quando tiver sono e acorde, se possível, sem a ajuda de um despertador. Quantas vezes a gente vai empurrando o sono mais e mais para adequá-lo às nossas outras necessidades? E quantas vezes a gente se priva do prazer de acordar assim, simplesmente quando já não temos mais sono? Respeitar essa regra nos traz mais para perto de nós mesmos. O homem é o único animal que sofre de insônia. A gente tem essa mania de achar que sempre podemos fazer tudo, de preferência, de uma só vez. Fluchaire lembra as belas palavras do Eclesiastes:
Existe um tempo para cada coisa
Um tempo para cada projeto sob o sol
Um tempo de semear e um tempo de colher
Um tempo de nascer e um tempo de morrer. "
Achei tao interessante que resolvi comprar o livro, encontrado na Estante Virtual. Depois de ler comentarei mais.
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